quinta-feira, 3 de abril de 2008

Maré Alta de 02/04/2008

O outro lado dos números

Na semana passada José Sócrates esteve em V. N. de Famalicão em mais uma etapa do seu processo de mostrar um país cor-de-rosa que apenas ele e mais alguns conseguem visualizar. O aumento de 4,2 por cento nas exportações no sector da Industria Têxtil e do Vestuário, no ano de 2007, foi pretexto para rasgados elogios num ambiente de pré-campanha eleitoral.

Naturalmente que é um sinal positivo que um sector tão sensível como os têxteis tenha conseguido aumentar as exportações, levando a acreditar que a crise poderá vir a diminuir. Temos que reconhecer o esforço e capacidade de muitos gestores e responsáveis das empresas que foram capazes de as manter a funcionar.

Mas perante tanto optimismo é importante não isolar os números e fazer o seu enquadramento social. Este aumento das exportações não representou uma redução do número desempregados na região, no máximo atenuou o seu crescimento. Estes aumentos das exportações não representaram aumentos dos ordenados dos trabalhadores (as) deste sector, mesmo a grande maioria deles ganhando o ordenado mínimo.

Mais preocupante é o facto de as empresas têxteis (e não só) se terem aguentado, em grande parte, à custa do trabalho precário. A sucesso das exportações dos têxteis deve-se, em grande parte ao esforço dos (as) trabalhadores (as), muitos deles precários e que foram simplesmente esquecidos nos “festejos” da comitiva governamental.

Eliana trabalhou temporariamente durante alguns meses numa empresa de referência do sector têxtil de V. N. de Famalicão. Eliana aprofundou os seus conhecimentos uns anos antes nas Novas Oportunidades, consciente da importância que as qualificações representam num mercado cada vez mais competitivo. Apesar de ter sido considerada pelas colegas exemplar do desempenho das suas funções e de apenas ganhar o ordenado mínimo, numa sexta-feira foi informada que na segunda-feira seguinte já não seria necessária. O sucesso da empresa não se compadece com qualquer projecto de vida que a Eliana tenha, não importa se há filhos para sustentar ou casa para pagar ou qualquer outro encargo. Agora já nem a qualidade do trabalho e a eficiência são argumentos para conseguir alguma estabilidade laboral. A crise a isso obriga, dirão alguns.

Da mesma forma que Sócrates elogiou o desempenho dos empresários, deveria ter sido reconhecido o sacrifício de todos (as) quantos (as) sendo atingidos pela precariedade, acabaram por ser considerados como apenas mais um mero elemento no processo, que facilmente se descarta e se substitui. Deveria também ser lembrado que o aumento das exportações foi conseguido por um significativo aumento das exigências laborais, em alguns casos acompanhadas de ameaças de despedimento caso não fossem atingidos os objectivos.

Se é legitimo reconhecer o trabalho dos empresários, não é aceitável que, sendo os trabalhadores os mais sacrificados em todo este processo, não terem sequer sido lembrados nestas acções de propaganda.


(Crónica de José Luís Araújo, publicada no Jornal Opinião Pública em 02/04/2008)