Artigo publicado no Diário de Notícias, Opinião, 07.05.05
Estive ontem em Guimarães, onde visitei empresas, sindicatos e município, a propósito da anunciada crise no têxtil.
O problema é conhecido. No início do ano acabaram as quotas que limitavam o volume das importações de têxteis à escala mundial. Em consequência, as exportações da China dispararam numa vasta gama de categorias de produtos. E a invasão faz-se acompanhar de uma queda nos preços ao consumidor.
O perigo de uma nova vaga de desemprego nas bacias do têxtil europeu é real.
De acordo com o presidente da Câmara de Guimarães, até 2010, os especialistas admitem, para a Galiza e o Minho, a perda de 80 mil postos de trabalho.
Que fazer?
Associações empresariais, partidos e sindicatos exigem da Europa que accione as cláusulas de salvaguarda, ou seja, o restabelecimento temporário de limites às importações. Elas poderão entrar em execução em Setembro; acelerando os procedimentos de urgência, talvez em Julho.
A esta pretensão, a Comissão de Durão Barroso tem sido surda. Mas lá accionou, para nove categorias de artigos, os procedimentos preventivos.
Convém esclarecer que as cláusulas de salvaguarda se podem aplicar por um ano e no máximo por mais dois. Ou seja, não significam um retorno ao proteccionismo, mas também não são nenhuma varinha mágica.
Nestas circunstâncias, os responsáveis têm a obrigação ética de informar as pessoas de que esta medida, de per si, apenas permite ganhar tempo e nada mais. São uma aspirina, não a solução.
Pior se nada de mais substancial for feito entretanto, o capital aproveitará esse compasso de tempo não para modernizar mas para aproximar as nossas relações de trabalho e salários das praticadas a Oriente. Em nome, claro, da sacrossanta competitividade. É por isso altura de dizer que o rei vai nu: o problema do têxtil nacional, mais do que a China ou a Índia, é a cultura dos capitalistas do sector. A grande maioria preferiu sempre a imitação à inovação; os baixos salários à aposta na qualificação; o controlo da produção à ambição das políticas de marca, geradoras de valor acrescentado. E por aí adiante. É este ciclo vicioso que é preciso quebrar.
A estratégia de alternativa inclui temporariamente as cláusulas de salvaguarda, mas não deve ser proteccionista. Ela exige uma tripla acção.
Portugal deve reclamar da Europa uma linha específica de financiamento para as regiões em reconversão industrial e, no Vale do Ave, apostar decididamente na qualificação profissional aliada à construção de uma agência de Investigação e Desenvolvimento ao serviço de um segundo ciclo de renovação das empresas que se comprometam a não realizar despedimentos. A chave não é a tecnologia, mas o "imaterial" e a agi- lização dos circuitos comerciais para lá do mercado interno. Se o Estado apostar nos recursos humanos e na prestação de serviços de valor às empresas de ponta, estas conseguirão suster grande parte do emprego nas empresas fornecedoras, de menor valor acrescentado.
Mas na Europa há muito mais a fazer.
O essencial, a peça sem a qual tudo o resto pouco ou nada signi-fica, diz respeito à Organização Mundial do Comércio. Os acordos devem passar a obedecer, pelo menos, a um Código de direitos mínimos do Trabalho à escala mundial - incluindo a proibição do trabalho infantil, o direito de representação dos trabalhadores nas empresas, horários máximos de laboração e regras de saúde e protecção - e a um outro, sobre as condições ambientais e fiscais a que o comércio internacional deve obedecer.
Durante anos, as grandes multinacionais da produção e distribuição ganharam, ao mesmo tempo, com o proteccionismo na Europa e nos EUA, e a sobreexploração no Terceiro Mundo.
Agora, deve ser imposto o único contrato que interessa quer aos trabalhadores de cá, quer aos de lá o fim do proteccionismo contra o aumento dos direitos sociais, ambientais e fiscais no Terceiro Mundo.
Não é possível nem justo defender o nosso emprego à custa da fome e da miséria de quem nada tem. A alternativa à liberalização selvagem é o comércio justo e equitativo, com aumento dos direitos e das qualificações.
Um segundo caso exemplifica o que está verdadeiramente em jogo. Na próxima terça-feira, o Parlamento Europeu discute a directiva que pretende passar o horário máximo semanal de 48 horas para 65 e mais horas. O modelo dos liberais é simples e bárbaro asiatizar o trabalho na Europa. A alternativa é, rigorosamente, a contrária. Por isso chegou o momento de pedir explicações. Que posição tomará o Governo? A que a representação portuguesa em Bruxelas recebeu do anterior Governo? Terça-feira se verá quanto valem as palavras sobre o "modelo social europeu"...