Entrevista com Francisco Louçã
O candidato do Bloco de Esquerda explica as suas ideias sobre a necessária arrumação das contas públicas e a estratégia do partido para o ciclo político que resultar das próximas eleições. Pretende uma auditoria aos serviços do Estado, mas defende o papel deste na criação de emprego. Uma entrevista por Eduardo Dâmaso e Raquel Abecasis (Rádio Renascença)
Francisco Louçã exclui nesta entrevista ao programa Diga Lá, Excelência, da Rádio Renascença e do PÚBLICO, que conta com a colaboração do canal Dois, da RTP, qualquer cenário de coligação com o PS, mas admite que vai fazer todas as negociações possíveis em torno de políticas concretas. Nesse sentido, explica por que é que entende o programa eleitoral do BE como um compromisso para a governação. O objectivo é fazer com que a sua força perante um eventual governo do PS modifique para melhor a vida do maior número possível de pessoas. É esta a aposta do que diz ser uma esquerda moderna, que não renegue o passado, mas não viva condicionado por ele.
R. - Não é um pró-forma. Nas eleições europeias o cabeça de cartaz foi Miguel Portas, nas presidenciais foi Fernando Rosas. A política moderna não se faz com a estrutura da corte hierárquica com um rei e uns arquiduques que de vez em quando conspiram contra o rei e uma plebe que vai obedecendo às ordens. A política moderna tem que se fazer de uma forma diferente.Temos de a inventar e de aprender com essa transformação. Ela tem de se fazer de uma forma que reconhece a essência do pluralismo político. Um partido hierárquico, como são os outros partidos em Portugal, não pode ter pluralismo, porque necessariamente tem uma estrutura de ordem, de disciplina, de imposição. Ora, hoje, não se pode conhecer um país e ter uma esquerda actuante, moderna, politicamente activa a não ser a partir do pluralismo.
R. - São partidos tribais. Têm várias tribos que disputam o poder entre si. O PS pode dar-se bem uma noite com Jaime Gama como secretário-geral, noutra com Ferro Rodrigues e agora com José Sócrates.
R. - Não digo que não haja debate nos outros partidos. O que digo é que o sentido do pluralismo como uma riqueza própria dos partidos e não como a dependência de uma pessoa que determina a linha política de uma forma unívoca é muito importante para uma esquerda moderna. E isso é decisivo.
R. - Os partidos que deram origem ao Bloco desapareceram, porque o Bloco é o partido, o movimento político, que queremos formar. Portanto, um processo natural de evolução fez com que o Bloco se afirmasse como projecto e proposta política. Agora, nós fizemos uma escolha no BE que é assentar em ideias fortes que são respostas políticas, não estando condicionados por interpretações da história que são anteriores. Respeitamo-las, olhamos para elas percebendo que o passado faz parte da nossa vida, assumimos com toda a tranquilidade os erros e as vantagens, virtudes e defeitos que ele tem, mas percebendo sobretudo que em Portugal era necessária uma esquerda nova. O que estamos a fazer é uma esquerda nova, é uma transformação política em função de ideias muito claras, que são respostas aos grandes problemas da Europa, da política internacional e sobretudo à questão de saber como é possível uma política socialista viável em Portugal.
R. -É uma esquerda preparada para disputar a governação.
R. - Estamos preparados para isso, mas não o faremos. As sondagens dão-nos 8 por cento e um partido que eventualmente venha a ter este valor em eleições não deve ir para o governo. Vai-se para o governo quando se tem uma base eleitoral de maioria ou de representatividade suficiente. Uma coligação faz-se quando há acordos suficientes entre dois partidos. Esses não existem com o PS.
R. - O BE só vale nestas eleições como resposta a como deve ser governado Portugal. O programa que apresentamos é um programa de governação. Agora, sabemos que, em função dos resultados eleitorais, o pior que poderíamos fazer era não ser claros nesta matéria: dizemos, por isso, que o programa do PS é contraditório em matérias importantes. Nesse sentido, o BE não deve formar um governo com o PS, porque um executivo deste partido vai discutir o aumento da idade da reforma e nós queremos opôr-nos a isso. Um governo do PS introduziu já com António Guterres os hospitais SA, que caminham para uma forma de gestão privada no Serviço Nacional de Saúde, que foi muito ampliada com os governos PSD-PP, e que nós recusamos. Portanto, não tem sentido fazer um governo que nos condicione a respostas políticas que achamos que prejudicam o país.
Também entendo que há muitos pontos essenciais em que tem de haver uma maioria social e que há uma maioria de esquerda deste país.
R. - É verdade, mas não somos nós que escolhemos os líderes de qualquer outro partido e dialogamos com o mesmo respeito com qualquer dirigente político. Mesmo com o Governo de António Guterres fizemos acordos e comprometemo-nos com eles. Aliás, até gostava que um dia o PS nos respondesse se está disposto a recuperar esses acordos feitos à esquerda, em matérias de política fiscal, contratos de trabalho, protecção social, combate à pobreza. Nestas matérias, procuraremos que haja uma maioria confortável de decisão política no Parlamento, porque achamos que há maioria no país.
R. - Não sei se vai haver um orçamento rectificativo. O PS nunca o disse e tecnicamente não é indispensável. Há orçamentos rectificativos que podem ser limitados e importantes e outros que podem não ser. Tanto o BE como o PCP se abstiveram num orçamento rectificativo do Governo de António Guterres em que se tratava de pagar as contas do Serviço Nacional de Saúde aos fornecedores. Não temos nenhum complexo a esse respeito, mas eu só posso aprovar um orçamento com o qual concorde.
R. - Discutiremos todas as leis e a lei mais importante é a do Orçamento. Surpreende-me é que nesta campanha eleitoral - depois de tudo o que se disse antes do défice, vivemos três anos da obsessão do défice - a questão do défice tenha desaparecido. É extraordinário...
R. - Há, mas é errado, porque é um problema importante. O BE apresentou um conjunto de propostas sobre a redução da despesa conjugada com a reforma fiscal, assumindo a dificuldade dessa política, porque sabemos que tanto a consolidação orçamental, como a reforma fiscal exigem pelo menos dois anos, porque a clareza das contas públicas tem de ser garantida por qualquer governo que venha a sair das eleições. O engenheiro Sócrates terá esse problema, caso ganhe as eleições, e nós queremos contribuir para a sua resolução. É por isso que propomos uma reforma fiscal que pode aumentar em 1 ou 2 por cento do PIB a receita fiscal, com mais 600 milhões de contos, no mínimo, porque se calcula que a fraude fiscal anda à volta de 1500 milhões, por aí. É por isso que propomos também que, ao nível das contas públicas, se tome a única medida possível para reduzir o desperdício, que é fazer uma auditoria geral às contas públicas, ou seja, reconstruir o Orçamento, fazendo com que cada sector do Estado justifique as suas despesas.
R. - Ai de quem defenda isso... porque acho que não tem razão e fala sem saber!
R. - Há uma proposta do PS que vai nesse sentido errado, que é a de só admitir um um em cada dois funcionários que saiam. Isso é uma visão estratégica errada, porque precisamos de rejuvenescer e qualificar os quadros da função pública e não é contendo dessa forma que podemos chegar a esse objectivo. Esse objectivo prejudica, porque vai envelhecer a função pública ao longo do tempo e não a qualifica. Agora, só fazendo esta auditoria é que poderemos saber onde é que há desperdícios. Só assim é possível saber que carros, que funcionários, que despesas, como funciona cada uma das repartições.
Portugal tem menos peso de emprego público do que a média dos países da União Europeia e da OCDE. Por outro lado, qualquer país mais pobre, como é o caso de Portugal, tem de ter o Estado a cumprir um conjunto de funções que países mais desenvolvidos não têm.
R. - Depende. Não resolve estruturalmente, mas veja-se o caso de Mértola: não há emprego, mas a câmara municipal e os museus começaram a desenvolver um turismo de qualidade...